Marcha à ré.

Marcha à ré.

Por Francilene Vaz.
Conselheira Estadual Amapá


O fatídico dia sempre chega, quando estamos diante de momentos difíceis e nossos sentimentos ficam avessos. (Re)virados literalmente. Logo, se nosso interior é revelado, nossas fragilidades, sensibilidades ficam vulneráveis. E aquela proteção criada por nós mesmos é lançada à tona, com requintes de detalhes e lembranças, muitas vezes, negligenciadas.
Talvez, só talvez, nesse momento da sua vida, você passa a (res)significar sua trajetória. Entende que, no sentido de (re)descobertas, ganhou a dádiva de (re)viver.
É inevitável olhar para o passado como um indica(dor). Seu corpo fala, você ainda sente os traumas latentes, tão vívidos forçando à reflexão.
(Re)conecte-se ao presente sem a ilusão de mudar os fatos, mas respeitando quem (res)surgiu depois de TUDO, das lutas vividas. Compreende que a depressão é o excesso de dor do passado.
Você para. Não por iniciativa própria, mas porque o seu corpo pede. Somatizou além do que podia. Na verdade, nem podia. Olha para si e percebe-se diferente. São tantas marcas, tantas cicatrizes (in)visíveis para comprovar o seu estado atual.
O tempo não volta. Ainda que desejemos ardentemente ou momentaneamente viajar para dentro de nós e mudarmos algum fato, nosso pensamento sistemático, consciência, intuição superego (ou qualquer outro termo que você denomine) está ali como uma sentinela de plantão para indeferir seus planos.
E eis que surge uma nova postura, um novo desejo, um novo sonho: o de apenas (re)começar.
Não dá para avançar (re)conhecendo-se e sem respeitar-se. É irresponsabilidade ignorar os fatos e as possibilidades do fazer diferente. De pensar no futuro como um livro inacabado, cujas páginas, capítulos novos serão escritos à mão, sem direito a rascunhos e sem poder "passar a limpo." Mas que terão seu tom, (cor)ação.
A irreversibilidade dos fatos, de tudo o que ocorreu, de todas as dores, (dis)sabores, (des)amores, trouxe um fardo difícil de carregar: o (des)valor.
A nossa história pessoal marcada por tantos adjetivos pejorativos fez com que, por vezes, esquecêssemos da nossa potencialidade e força. Muito embora, também fôssemos firmemente convencidos a acreditar que temos que ser forte o tempo todo, em todo o tempo. Aqui (re)corremos ao grande perigo de acreditar que temos que dar conta de tudo, sem precisar de apoio e suporte de terceiros. As cobranças internas chegam e começam a pesar nossa mochila. E, junto de tanta falta de perdão pessoal, de autossabotagem, autocomiseração, o desvalor é evidenciado.
Mas, como a vida é essa escola de lições ininterruptas, somos drasticamente (re)virados e impulsionados a tomarmos uma decisão.
Nessa montanha-russa do seu processo cíclico existencial, ora você está bem, ora é questionado quanto à sua capacidade de suportar e seguir SENDO, (res)PIRANDO, (re)vivendo. E, na mesma velocidade que sobe, em que a alegria e as perspectivas trazem motivação para ESPERANÇAR; ela desce e traz no movimento declive uma tristeza inconsolável, somada a uma frustração destruidora. Assustadoramente, vem constatar a veracidade da dor que é real, mas cujo sofrimento é sim opcional.
Apesar de tudo, (re)fazemos a viagem, só que agora rumo à serenidade que aliada a incentivos, estímulos e positividade de amigos, faz termos novamente a consciência de que precisamos (re)aprender o caminho.
A potência da dor e a eminência de finitude ajudam na compreensão de que é normal estar frágil. (Re)conhece a necessidade de colo, amor, carinho, acolhimento, intervenção profissional e só mais um pouquinho de amor.
No modo RÉ, não há jeito fácil de erradicar a dor, por isso, temos que (re)abrir espaços de modo a acolhê-la dentro de nós.
Essa travessia, ainda que cercada de pessoas incríveis, é solitária. A ponte do medo para a coragem é intrapessoal; da finitude para a completude, é serena.
Que estejamos prontos. A vida faz o convite a (re)troceder para avançar.