Eiiiii, "Alice"... Acorda!

Eiiiii, "Alice"... Acorda!

Por Francilene Vaz.
Conselheira Estadual Amapá


O país não é um conto de fadas, no qual os escritores ditam as regras e diretrizes da tua história.
O mundo é bem mais polarizado do que o local para onde constantemente és seduzido a ir, estar, permanecer e, (in)felizmente, viver.
Considera o fato de que milhares de pessoas autistas ainda não possuem diagnóstico. São consideradas como loucas, insanas, tal como Alice considerava os personagens do "País das Maravilhas."
De fato, na comunidade autista, conseguimos ver, sentir e viver essa maravilha, pois há o respeito à nossa condição. Fato que vai muito além do laudo com CID registrada. Convenhamos: a maioria de nós não tem apenas uma CID. E não é só o tanto de personagens que nos acompanham, como os que acompanhavam Alice, mas como esses mesmos indivíduos interferem direta e indiretamente na nossa qualidade de vida.
E, sim, antes que venhas como uma "Lebre de Março", querendo invalidar meu diagnóstico, eu quero te afirmar que também posso escrever, falar e fazer analogias usando metáforas. Leva teu capacitismo para bem longe de mim.
As comorbidades interferem sim na nossa condição do TEA, tanto quanto o Chapeleiro Maluco brigava com o tempo, para sua autoafirmação. Por isso, quanto antes e mais precocemente buscar uma avaliação, mais célere será a obtenção das respostas das lacunas da sua vida.
É natural que as mudanças que virão pós-diagnóstico te assustem, o mesmo aconteceu com a Lagarta (Absolem) também na história, que tinha uma postura um pouco altiva e arrogante, como se não entendesse as aflições que aconteciam ao seu redor. Como se fosse tão "insensível" que não pudesse perceber a metamorfose diante de si. É natural sentir medo nesse processo. O "novo" assusta. Sim, mesmo que tenhas sido laudado (a) agora na idade que tens, ele vem. Trate-o com verdade. Considerando-o como aliado e não opositor. As tuas emoções precisam ser bem administradas dentro de ti. Teu corpo, mente e coração merecem essa atenção. Não ignores os sinais. E, ao primeiro alerta, para e (re)começa a tua jornada. O diagnóstico não é o fim. É recomeço. Recomeçar significa iniciar tua travessia exatamente de onde estás.
Lembra-te do Gato risonho da história que
mantinha sempre uma postura confiante e buscava sempre uma postura de (re)atividade, ainda que, para os demais, agisse como se estivesse de fora, observando o mundo que foi criado para ele. Nesse turbilhão de vivências, Alice encontrou o Gato risonho, numa circunstância em que estava totalmente perdida, quando buscava indicações sobre o melhor caminho a seguir. Tu, também, terás pelo caminho pessoas que são como o gato, que farão você sorrir e tornarão a tua caminhada cheia de conquistas. Pois, assim como ele foi para Alice, estas serão para você como uma espécie de guia, farol, bússola. Serão os profissionais, os terapeutas, as organizações, as associações, os amigos de luta, de causa e de vida.
Segue teu instinto, teu coração, tua razão. Faz como Alice que seguia o Coelho branco, que, na história, representava a busca por conhecimento. E saber, volto a frisar, não quer dizer não sentir. E nós autistas sentimos com muita intensidade tudo. Ressalto aqui que, quanto mais eu me aproprio de conhecimento, mais segura eu me torno frente a uma sociedade assustadoramente capacitista. Pessoas que são tão avassaladoras como a Rainha de Copas, as quais pensam que deter o conhecimento sobre a nossa pauta faz com que sejam os protagonistas da nossa história. E não é bem assim. Nesse "País das Maravilhas", quem dita o enredo do começo ao fim é a Alice. Não permitam que essas mesmas Rainhas de Copas invalidem o teu diagnóstico, a tua essência, o teu "eu" com métodos sem comprovação científica, sem o senso comum e, na maioria das vezes, sem bom senso.
Não permita que façam de você um Arganaz, que vive caindo no sono das promessas/métodos infalíveis, dos remédios "curadores" para o TEA, cujo pronunciamento é quase sempre invalidado e, quando tenta falar, ninguém presta atenção ou é interrompido, e fica propenso a desistir, pois se sente tão pequeno como um rato.
Quem é você nessa história?
Qual papel determinaram para você, enquanto pessoa autista? Não aceite os rótulos. Eles não foram feitos para nós, pessoas autistas, e, sim, para produtos.
Vive a tua história, compartilha os teus amigos imaginários (tuas comorbidades) e percebe que não estás só.
E, se for para acordar, que seja para fazer a diferença.
Viver é difícil. Com ou sem diagnóstico. Mas eu garanto que (sobre)viver é para quem entendeu qual é a sua missão. Por isso, também, acredito que (re)nascer é atitudinal.
E, se for (re)começar, por que não no País das Maravilhas? Pelo menos, a perspectiva de que a travessia será mais divertida aumentará.

Substitui o nome Alice pelo teu e me diz aqui como se sentiu como protagonista da tua própria história.